terça-feira, 13 de novembro de 2012

ALÉM DO NOSSO MUNDINHO

Além do nosso mundinho                            Eduardo Evangelista Francisco

    A manhã era fria, uma fina camada de névoa ainda permanecia no asfalto, o sol acabara de nascer. Havia poucas pessoas na rua da Matriz Nossa Senhora do Pilar, todas andando com cara de sono, com pressa para mais uma típica quarta feira.
    Enquanto andava, eu imaginava como seria meu dia e viajava em pequenas filosofias sobre minha vida... A música que tocava nos meus fones de ouvido era “Tente outra vez”. Seu refrão era como um agradável choque, eu saboreava cada nota como quem degusta um delicioso prato.
Quando passava pela Praça Bernardino de Lima, no centro da cidade, me atentava as estátuas de Getúlio Vargas e Marquês de Sapucaí, em pontos opostos da praça, olhando fixamente uma para a outra, e atrás delas o majestoso teatro municipal, e gostava de imaginar como essas coisas eram há anos atrás.
    No entanto, quando virava a esquina que dava para minha escola, um forte cheiro me chamou a atenção. Já havia sentido aquele cheiro antes: um fedor de sujeira, urina e lixo. Mas desta vez vinha com algo a mais, não sei ao certo, uma tristeza talvez... Um sentimento ruim me abatia enquanto eu caminhava próximo àquela praça.
    Ao virar a curva que dava para o portão do colégio, vi uma cena tão comum, porém que mexeu muito comigo: uma senhora que aparentava ter uns setenta e poucos anos estava deitada em meio ao lixo. Em volta dela, alguns cães fuçavam a sujeira, outros dormiam, assim como sua dona. Um cobertor fino e surrado cobria seu corpo esquelético. Sua mão estava à mostra, seus dedos eram finos, suas unhas eram grandes e sujas. Uma parte do cobertor caiu, revelando o rosto da senhora.
    Seus olhos eram fundos e escuros em volta. Apesar de estarem fechados, pude ver uma tristeza naquele rosto. Vi uma vida de dores e perdas. Uma fina camada de sujeira corria ao longo de seu rosto magro e revelava pequenas cicatrizes... Alguns fios de seu cabelo grisalho e ensebado estavam grudados em sua testa, como se ela tivesse transpirado, talvez por febre...
    O que chamou minha atenção foi que as pessoas passavam por ela normalmente, como se a pobre velha não existisse, como se fosse parte do cenário. Às vezes, algumas se desviavam de um dos seus cachorros. E eu continuava a analisar aquela situação. De repente, seus olhos se abriram, ela sentou-se e olhou pra mim enquanto tirava o lixo de cima do seu corpo.
    Foi quando percebi que estava ali a mais de cinco minutos. Abaixei a cabeça e saí andando em direção a meu colégio. Antes de passar pelo portão, olhei-a pela última vez... Tinha voltado a dormir. Perguntei-me o porquê de ela estar naquela situação e se aguentaria aquilo por muito tempo. Entretanto, aos poucos minha mente foi se ocupando de outras coisas... E esse episódio foi esquecido. Seu lugar foi ocupado por questões de Física e Química...
    Às vezes, eu ainda me deparo com essa senhora na rua, mas não me chama mais tanta atenção. Me acostumei... Infelizmente ela faz parte do cenário.

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