Além do nosso
mundinho Eduardo Evangelista Francisco
A manhã era fria, uma fina camada de névoa
ainda permanecia no asfalto, o sol acabara de nascer. Havia poucas pessoas na rua
da Matriz Nossa Senhora do Pilar, todas andando com cara de sono, com pressa para
mais uma típica quarta feira.
Enquanto andava, eu imaginava como seria
meu dia e viajava em pequenas filosofias sobre minha vida... A música que
tocava nos meus fones de ouvido era “Tente outra vez”. Seu refrão era como um
agradável choque, eu saboreava cada nota como quem degusta um delicioso prato.
Quando passava pela Praça
Bernardino de Lima, no centro da cidade, me atentava as estátuas de Getúlio
Vargas e Marquês de Sapucaí, em pontos opostos da praça, olhando fixamente uma
para a outra, e atrás delas o majestoso teatro municipal, e gostava de imaginar
como essas coisas eram há anos atrás.
No entanto, quando virava a esquina que
dava para minha escola, um forte cheiro me chamou a atenção. Já havia sentido
aquele cheiro antes: um fedor de sujeira, urina e lixo. Mas desta vez vinha com
algo a mais, não sei ao certo, uma tristeza talvez... Um sentimento ruim me
abatia enquanto eu caminhava próximo àquela praça.
Ao virar a curva que dava para o portão do
colégio, vi uma cena tão comum, porém que mexeu muito comigo: uma senhora que
aparentava ter uns setenta e poucos anos estava deitada em meio ao lixo. Em
volta dela, alguns cães fuçavam a sujeira, outros dormiam, assim como sua dona.
Um cobertor fino e surrado cobria seu corpo esquelético. Sua mão estava à
mostra, seus dedos eram finos, suas unhas eram grandes e sujas. Uma parte do
cobertor caiu, revelando o rosto da senhora.
Seus olhos eram fundos e escuros em volta.
Apesar de estarem fechados, pude ver uma tristeza naquele rosto. Vi uma vida de
dores e perdas. Uma fina camada de sujeira corria ao longo de seu rosto magro e
revelava pequenas cicatrizes... Alguns fios de seu cabelo grisalho e ensebado
estavam grudados em sua testa, como se ela tivesse transpirado, talvez por
febre...
O que chamou minha atenção foi que as
pessoas passavam por ela normalmente, como se a pobre velha não existisse, como
se fosse parte do cenário. Às vezes, algumas se desviavam de um dos seus
cachorros. E eu continuava a analisar aquela situação. De repente, seus olhos
se abriram, ela sentou-se e olhou pra mim enquanto tirava o lixo de cima do seu
corpo.
Foi quando percebi que estava ali a mais de
cinco minutos. Abaixei a cabeça e saí andando em direção a meu colégio. Antes
de passar pelo portão, olhei-a pela última vez... Tinha voltado a dormir.
Perguntei-me o porquê de ela estar naquela situação e se aguentaria aquilo por
muito tempo. Entretanto, aos poucos minha mente foi se ocupando de outras
coisas... E esse episódio foi esquecido. Seu lugar foi ocupado por questões de
Física e Química...
Às vezes, eu ainda me deparo com essa
senhora na rua, mas não me chama mais tanta atenção. Me acostumei... Infelizmente
ela faz parte do cenário.
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